Ação no sertão de Alagoas
Entre os dias 28 de setembro e 2 de outubro a Comissão de Ações Sociais da Sobed coordenou uma grande ação de prevenção do câncer gastrointestinal no munícipio de Piranhas, sertão de Alagoas, a 291 km de Maceió. Essa cidade, de 25 mil habitantes, foi escolhida para ser um ponto de partida para estudos que a Sobed vai conduzir junto com a Universidade Federal de Alagoas e a Universidade de São Paulo.
Com o apoio da Secretaria Municipal de Piranhas e empresas parceiras – a Fujinon/Labormed emprestou os equipamentos e a Boston Scientific doou os acessórios -, foram realizados 2.242 exames de sangue oculto nas fezes – teste que faz parte do rastreio de câncer colorretal. Todos os participantes receberam orientação sobre esse tipo de câncer, que é o terceiro mais prevalente no país.
A previsão de casos para 2020 é de 20.540 novos pacientes de câncer de cólon e reto em homens e 20.470 em mulheres. Essa estatística demonstra que esse tipo de tumor é o segundo mais incidente nos homens e também nas mulheres, especialmente no sudeste e centro-oeste e terceiro, na região nordeste. Mas ainda podemos pensar que em muitas regiões, com pouco acesso ao rastreio e diagnóstico precoce, o câncer colorretal é subnotificado.
E foi com esse pensamento que a Sobed trouxe a ideia dessa ação social centrada em um tripé de atendimento, educação e pesquisa. Há mais de uma década a associação vem realizando mutirões pontuais, durante os principais congressos da entidade, que visam chamar a atenção do poder público e da imprensa para a questão da necessidade de rastreamento desse câncer, que é o segundo que mais mata no Brasil.
“Não há políticas públicas no Brasil que olhem para o câncer colorretal e vemos que, no mundo todo, a doença vem acometendo pessoas cada vez mais jovens” alerta o presidente da Sobed, Jairo Silva Alves. “A ação em Piranhas vai desencadear estudos que mostram o impacto real na população brasileira. Por ser um problema com grande efeito na saúde pública brasileira, a Sobed se sentiu impelida a fazer essa ‘provocação’ que chame a atenção da opinião pública também” conclui Jairo.
Piranhas foi escolhida por permitir trabalhar com uma amostra de população de 50 a 70 anos que cobre a cidade toda. É um município de 25 mil habitantes, com população predominantemente rural e de baixa renda.
Grupo SOBED e Secretaria Municial de Saúde de Piranhas iniciando os trabalhos na Unidade básica de saúde.
Etapas
O contato com o município de Piranhas veio através de conversas entre o Dr. Alexandre Salomão, que realiza endoscopia digestiva na região, que já conhecia o Dr. Marcelo Averbach, coordenador da ação e da Comissão de Ações Sociais e o Dr. Herbeth Toledo, 2º secretário da Sobed, também coordenador da ação, alagoano e que trabalha na região próxima do município.
A partir daí desenhou-se o projeto e começou o trabalho de capacitação de agentes de saúde e profissionais da atenção básica para conscientizar a população na coleta do imunoteste para pesquisa de sangue oculto nas fezes. A pandemia acabou por atrasar um pouco o trabalho, mas já em maio, as visitas foram retomadas.
Dos 2242 exames de sangue oculto, 190 pacientes foram selecionados com alteração em seus resultados e a partir do dia 28 de setembro, iniciou-se o trabalho de recepção desses pacientes para os exames de colonoscopia e endoscopia digestiva alta, totalizando quase 400 procedimentos.
A ação, que contou com a presença de representantes do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e de municípios próximos, que vieram conhecer o trabalho da Sobed, fez com que o tema ganhasse vez e voz, levando a pauta até a secretaria estadual da saúde. “O nosso maior pleito era sensibilizar o poder público para a questão da prevenção e a realização desse projeto deu cabo de levar o assunto até o Secretário Cláudio Alexandre Ayres da Costa” da SESau de Alagoas, concluiu Francisco Paula Mattos Oliveira Neto, secretário de saúde de Piranhas e enfermeiro.
Estruturação sobre a saúde da população, o ensino e a pesquisa
O primeiro pilar do trabalho, segundo um de seus coordenadores, Dr. Marcelo Averbach, foi a ação social, podendo oferecer para uma população carente desse tipo de atenção de saúde, a oportunidade do rastreamento do câncer e da detecção precoce.
A segunda base foi a da educação, que além de treinar e alertar os profissionais da atenção básica que atuam no município, “foi possível oferecer informação aos colegas médicos que atuam na região e que têm menos acesso a uma medicina mais especializada”, inclui Averbach. Também participaram da ação seis acadêmicos de medicina e alguns residentes da Universidade Federal de Alagoas – UFAL e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP.
O terceiro pilar é o investigativo, já que a ação serviu para a coleta de material para pesquisas de alunos da UFAL, coordenados pelo Prof. Manuel Álvaro Lins e da FMUSP, coordenados pelo Prof. Titular de Técnica Cirúrgica José Pinhata Otoch. A partir da coleta de dados feita em Piranhas vários trabalhos poderão vir a cabo, como a predição de qual nível de sangue nas fezes é aceitável no rastreamento, a definição de estratégias de rastreamento em regiões carentes e sem acesso rápido à colonoscopia e o estudo da microbiota como um possível marcador biológico para os pacientes com câncer.
De acordo ainda com Averbach “outras perguntas poderão ser respondidas, uma vez que é grande o material informativo que foi coletado e esses dados estão sendo trabalhados pelos pesquisadores das duas universidades”.
Dr. Herbeth Toledo conduz exame com equipe.
Resultados para a população
O Nordeste, de acordo com dados do INCA parece ter menos casos de câncer colorretal, entretanto, a região oferece menos capacidade de exames preventivos e é grande a incidência de casos avançados que chegam aos serviços. A maioria das cidades no Nordeste não tem serviço de saúde focado em câncer. Em Alagoas, por exemplo, são dois serviços em Maceió e todo o interior do Estado tem acesso a apenas dois outros centros.
De acordo com o Dr. Herbeth Toledo, coordenador dos trabalhos junto com Averbach, “pode não ser verdadeiro dizer que o câncer no Nordeste é menos incidente, porque o acesso (da população) é precário”. Em Piranhas não há serviço de colonoscopia e o hospital público mais próximo fica em Arapiraca, que dista 140 km.
“O câncer colorretal, quando diagnosticado cedo, tem um índice de cura acima de 90%, mas na fase avançada, podemos falar em apenas 15%. Em Piranhas, apesar dos dados ainda não estarem computados, encontramos uma alta incidência de pólipos – quase 50% -, o que nos leva a crer que os casos de câncer podem também ser muito altos” acrescenta Herbeth.
Outros achados
O projeto também contemplou as endoscopias digestivas altas para o rastreamento de câncer gástrico e entre a população houve uma alta incidência de gastrite atrófica causada pela bactéria H. Pilori. “A incidência mais alta a que tive acesso em projetos no Nordeste”, assusta-se o dr. Herbeth. “A questão da água deve ser discutida, apesar da boa alimentação da população. É um contraponto, uma cidade banhada pelo Rio São Francisco, e uma região tão turística, não ter investimento em saneamento básico” complementa o médico alagoano.
O projeto ganhou apelo no Estado. O representante da CONASEMS já manifestou a intenção de intermediar junto ao Ministério da Saúde que mais realizações como essa da Sobed possam acontecer no restante do país. Para Dr. Herbeth Toledo essa é a chance do câncer colorretal ter a mesma expressão e resultados dos cânceres de pulmão (com a campanha antitabagismo) e de mama, que já teve seus índices de morte diminuídos por conta das campanhas de mamografia.
“Trata-se de uma economia em saúde, pois um paciente em tratamento do câncer de cólon avançado custa cerca de R$ 80 mil, contra o gasto de R$ 2 a 3 mil do diagnóstico precoce com a colonoscopia”, contabiliza Herbeth.
O papel da Sobed em educação vai além do treinamento contínuo do associado. Aqui, além de preparar médicos da atenção básica para um olhar mais compreensivo da prevenção do câncer, a educação do paciente para sua saúde também faz parte da missão da Sociedade. E a Sobed cumpre sua função social para com o país.
Dr. Marcelo Averbach realizando procedimento endoscópico.
Na rota do cangaço e das águas do Velho Chico
Se você for à Alagoas, não deixe de visitar a região de Piranhas, uma das mais bonitas do Brasil. Banhada pelo Rio São Francisco, tem um dos mais belos trechos do rio, quase na divisa entre o Estado e Sergipe. Um deles são os cânions de Xingó.
A cidade faz parte da rota do Cangaço e é possível fazer trilhas guiadas pelos caminhos por onde andou o bando de Lampião. A cidade é notória pela foto mais conhecida do líder lendário e sua mulher, Maria Bonita. Após serem emboscados pelo Exército, suas cabeças foram exibidas na escadaria da prefeitura de Piranhas, que conta com o museu do Cangaço, que narra essa e outras histórias desse período do Nordeste.
Vista belíssima de Piranhas banhada pelo Rio São Francisco.